Lideranças do Movimento Negro Unificado (MNU) e representantes de quilombos de Mato Grosso realizaram, durante esta terça-feira (17), a mesa redonda “Escuta e diálogo: os gritos não ouvidos dos povos invisibilizados”, com representantes do interior de Mato Grosso, de Cuiabá, do Rio de Janeiro e de Goiás.
No período matutino e vespertino, aconteceram painéis sobre os temas “A luta do movimento negro unificado no Brasil e em Mato Grosso”, “Povos Quilombolas e indígenas e a luta contra a retirada de direitos” e “Formação da Juventude Negra”, finalizando o dia com o seminário “Fascismo Racismo e Democracia: o lugar do movimento negro na afirmação da humanidade ”, com Ieda Leal (Coordenadora Nacional do MNU), Osvaldo Sérgio Mendes (MNU/RJ); Lenir Claudino de Souza (MNU/RJ) e o pesquisador Sérgio Santos (NEPRE/UFMT),
A atividade faz parte da Agenda Kwanzaa – Semana da Consciência Negra, realizada pelos movimentos e pela vereadora Edna Sampaio (PT). Ela apontou, no cenário atual, vários elementos que caracterizam o fascismo, entre eles a regressão de direitos e o aprofundamento da hierarquização da humanidade, na qual os negros são considerados, historicamente, inferiores aos brancos, sendo menos que humanos. A desumanização é um instrumento histórico de dominação.
“E os considerados não humanos são, justamente, os corpos negros e é por isso que estamos aqui para fazer esse debate sobre um tema que interessa muito ao movimento negro e ao nosso mandato aqui na Câmara, onde temos uma parcela importante de vereadores que partilham desta visão de mundo, de hierarquização, de afronta à democracia e de negação de direitos às chamadas ‘minorias’ que, na verdade, são maiorias minorizadas”, disse a vereadora Edna Sampaio.
Ieda Leal ressaltou a importância de que os movimentos fortaleçam a cobrança pelo reconhecimento do racismo como crime, das cotas como medida paliativa, da cobrança por saúde e renda para o povo negro.
“Hoje, quando temos mais de 600 mil mortos pela pandemia, o 20 de novembro vem chamar a atenção para nossas estruturas seculares. Estamos aqui, no centro do Brasil, para dizer que o povo negro quer viver. Não queremos viver em um país que tenha como princípio o racismo, a violência contra o povo negro”, disse Ieda Leal. “Ninguém pode economizar na luta. São 400 anos de total abuso contra o ser humano. Nós vamos cobrar”.
Lideranças
Lenir Claudino de Souza abordou a reparação histórica que o Estado precisa fazer em relação aos povos negro e indígenas e a pertinência de defender a democracia na atualidade, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Ela salientou que, assim como no passado, em que os escravizados vivenciaram as condições precárias de vida, os negros hoje convivem com a falta de acesso aos itens básicos para a sobrevivência e são a maioria entre os desempregados e sem acesso a alimentos.
“Para cada quilombola presente neste espaço, ele é um espaço de aprendizado sobre essa reparação histórica. Precisamos reparar o que perdemos, reconstruir e, para falar dessa reparação, dessa democracia, dessa perda de direitos, temos que, enquanto cidadãos, falar da nossa história, dos nossos militantes, das nossas favelas. Hoje estamos vivendo um momento tão difícil em que perdemos tudo, todos os nossos direitos estão sendo tirados de forma vil, e precisamos nos organizar”, salientou ela.
Foi discutida a questão da reparação histórica devida pelo Estado aos povos negros e indígenas em todo o mundo, um tema que voltou ao centro do debate nos anos 1990 e, em 2001, durante a Conferência Mundial das Nações Unidas de 2001 contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância, em Durban (África).
Colonialismo e tráfico de escravos são reconhecidos pela Onu como crimes contra a humanidade e a reparação pode se dar de maneira coletiva, por meio de medidas, e amparada na legislação de direitos humanos.
“Reparação é exigência daquele que tem o direito e ela. É um crime contra a humanidade e não se pode deixar de exigir essa reparação. Temos o direito”, disse Osvaldo Sérgio Mendes (MNU Nacional - RJ). Ele repassou à vereadora Edna Sampaio a lei 6.613/19, aprovada no Rio de Janeiro, que foi elaborada juntamente com o movimento negro e trata do tema da reparação.
O pesquisador Sérgio Pereira dos Santos, do Núcleo de Estudos em Relações Raciais e Educação (NEPRE-UFMT), salientou o processo de construção da desigualdade racial no Brasil, explicando que a negação da humanidade do negro é um fato histórico que compõe a identidade nacional. Por isso, os movimentos negros sempre lutaram pela humanidade e pelos direitos dos negros.
Salientou a importância do movimento negro para a história e o avanço das políticas públicas.
Segundo ele, o racismo - que usa os marcadores da diferença como instrumentos de promoção da desigualdade - foi enfrentado pelos escravizados, ao contrário do que mostra a História oficial. Eles enfrentaram a política de branqueamento, que compôs e ainda compõe a ideia de estado-nação brasileira.
“O processo de negação da humanidade foi um dos principais elementos para a formação do racismo e, ao longo da história da humanidade, foi alvo de várias ideias, formatações, pois o racismo não se forma a partir do nada”, disse ele, citando autores que comprovam as teorias supostamente científicas que deram base ao racismo.
Ao mesmo tempo em que é objeto de repulsa, o racismo também tem sua existência negada socialmente, o que dificulta o seu combate, mas, segundo ele, sempre houve resistência negra à dominação. “A população negra sempre foi organizadora, se manteve na luta, embora com organizações frágeis, em quilombos, confrarias religiosas, organizações políticas, pedagógicas, irmandades, grupos religiosos, escolas de samba, clubes de lazer, cooperativas, imprensa negra, com propostas educativas e ações afirmativas”, explicou ele.
Estiveram presentes lideranças do MNU local e nacional, entre elas Isabel Farias (MNU/MT); Márcia Helena da Silva (MNU/RJ); Rosana Santos de Oliveira (Rede Feminista de Saúde/MNU/MS) e Klebis Marciano Santos (vereador/Pedra Preta).
Também participam os coordenadores do MNU nos quilombos: Pascoal de Melo (Vila Bela); Vanda de Vilas Boas Copacabana (Chiquitana); Nirda Rosa de Oliveira (Poconé/Quilombo Chumbo); Arlete Pereira Leite (Quilombo Mata Cavalo/Nossa Senhora do Livramento); Elizeu de Farias Silva (Xumxum) – Quilombo Urbano Capão do Negro – Cristo Rei; Ivo Gregório de Campos (Quilombo Mata Cavalo/Cabeceira do João/ Cuiabá) e a vice-prefeita de Poconé, Soenil Clarinda de Sales.
“Por ser quilombola e negra, sofremos todo tipo de preconceito e racismo, a retirada de direitos. Este é um momento muito importante para estarmos participando e ver que outras comunidades também passam pelos mesmos problemas, fortalecendo a luta pelos nossos direitos”, disse Arlete Pereira Leite.
Os painéis contaram ainda com a presença de Lucas Batal Monteiro Ferreira (Coordenador Nacional de Políticas Educacionais do MNU/RJ); Inglid Giovanna (Miss Brasil Cor/MT); Mateus Firmino Leite (Coordenador Municipal do MNU/Campo Grande/MS) e Maurício Marinho (MNU/MT).
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