Motoristas de aplicativo da grande Cuiabá reclamam das más condições de trabalho e cobram mais controle social sobre o serviço. No Estado, como em todo o país, eles se mobilizam para fazer frente às grandes corporações estrangeiras que hoje dominam o segmento.
Há cerca de seis mil motoristas atuando em Cuiabá e Várzea Grande, a maioria dos quais utilizam os serviços das multinacionais Uber (norte-americana) e 99 (chinesa, líder mundial em transporte por aplicativo).
As informações são da Associação dos Motoristas de Aplicativos Guerreiros de Mato Grosso (AMAG-MT) e da Associação Mato-grossense dos Motoristas de Aplicativos (AMA-MT), que cita também o aplicativo da Urbano Norte, de Porto Velho, como um dos três mais acessados.
A AMAG-MT também lançou, há três meses, um aplicativo próprio, o “App dos Guerreiros” que, segundo o presidente da entidade, Flávio Mesquita Munhoz da Silva, oferece vantagens em serviços, como lavagens do carro, e repassa ao motorista de 80% a 85% do valor da corrida.
O serviço de transporte por aplicativo começou na capital em novembro de 2016 e já se tornou um dos principais meios de transporte dos cuiabanos. Mas as altas taxas cobradas pelas empresas são a principal reclamação dos trabalhadores do setor. Segundo os trabalhadores, tanto a Uber quanto a 99 retém cerca de 40% a 50% dos valores cobrados nas corridas.
A AMA-MT contesta judicialmente esse percentual. Segundo a entidade, as más condições de trabalho têm provocado esgotamento físico, stress e levado à queda na qualidade dos serviços, sendo comuns situações como carros sujos, atrasos, cancelamentos etc.
Por parte das empresas, falta valorização dos profissionais, atendimento às demandas regionais, mais canais de comunicação e mais diálogo com os motoristas.
Eles reclamam, por exemplo, do atendimento presencial disponibilizado pela Uber na capital, que ocorre em um escritório precário e é feito de maneira superficial, sem atender às demandas, apontando o quanto esta situação vulnerabiliza o trabalhador.
A falta de regulação das relações de consumo e de trabalho no setor leva a práticas abusivas: empresas novas entram no mercado local, impondo regras, sem dialogar com a categoria.
A motorista Simone Aparecida Cidram, que atua no segmento há quatro anos, afirma que só não o deixou porque possui clientes particulares que custeiam metade de sua renda atual. Os baixos valores pagos pelas empresas fazem com que ela cancele em média 60 corridas por dia e 2,3 mil por mês.
Mãe solteira, o medo da violência, do assédio e a necessidade de cuidar da filha, de 12 anos, a levaram a desistir das corridas noturnas.
Para Simone, a implantação de um aplicativo público é uma iniciativa positiva e será preciso debater questões como o valor por quilometragem e a taxa de deslocamento até o passageiro, que hoje é de menos de R$ 1,00 por quilômetro.
"Comecei na Uber por causa da minha filha e isso é o que me segura lá, porque a única vantagem é que posso atendê-la na hora que precisar. Também tem os meus clientes particulares. Vontade de sair eu tenho há muito tempo. Metade dos quatro mil reais que consigo por mês vai para o combustível e mil reais são para a manutenção do veículo e outras despesas. [...] Se este projeto promover a revisão destas taxas, será uma boa iniciativa”, comentou.
Desistência
Os altos custos da atividade fizeram com que muitos desistissem. Foi o caso do guia turístico Ramilson Barbosa da Silva, que trabalhou como motorista de aplicativo entre 2018 e 2019. Na época, fazia estágio no período matutino e dirigia à tarde, o que lhe permitia apenas complementar o dinheiro da bolsa que recebia. De R$ 2 mil que acumulava, ficava com apenas cerca de R$ 1.100,00 e, por isso, permaneceu na função por apenas cinco meses.
“A parcela para o aplicativo era de cerca de 60%. Como um trabalhador banca os gastos com o carro e os custos pessoais? E olha que o carro era meu. Imagine quem precisa alugar”, disse ele.
Aplicativo público
Projeto de lei de autoria da vereadora Edna Sampaio (PT) que tramita na Câmara Municipal de Cuiabá, determina a criação de um aplicativo público, gerido pelo município e com lucro destinado 100% aos motoristas.
“Se houvesse um aplicativo assim, eu poderia voltar a trabalhar com isso. A cidade inteira sairia ganhando. A qualidade de vida dos motoristas ia melhorar com mais dinheiro no bolso e, assim, fazer o giro no comércio. A prefeitura ia ter mais dinheiro para investir na cidade”, comentou Ramilson Barbosa.
O presidente da AMA-MT, Cleber Cardoso, aponta que a ideia precisa ser debatida com a sociedade para garantir o controle social (e a participação do poder público, dos consumidores e das empresas) sobre a gestão do app.
Em sua visão, a noção de livre mercado que dominou o segmento deixou os trabalhadores à deriva e piorou o serviço e é preciso discutir com a categoria que garantias serão dadas aos profissionais.
“O que as plataformas têm feito conosco é péssimo. O usuário está no direito de reclamar, mas nós também estamos no direito de questionar”, disse ele. “Isso só será resolvido quando o poder público, as plataformas e os motoristas sentarem para conversar, pois se não houver equilíbrio deste serviço, a tendência será ele cair cada vez mais”, disse ele.
Transparência
É também o que defende o advogado Ademar Araújo Andrade Júnior, que atua no ramo de aluguel de carros para motoristas de aplicativo. Ele afirma que conheceu de perto a iniciativa do município de Araraquara (SP), onde já há o serviço de aplicativo público, sob a gestão da prefeitura, e salientou a relevância de adotar medida similar em Cuiabá, para dar aos motoristas autonomia, capacidade de fiscalização e controle sobre os dados armazenados.
“Essa lei ajudará muito na qualidade de vida dos motoristas, que hoje ficam totalmente dependentes dos dados gerados pela própria empresa, um conteúdo que não dá nem para auditar”, disse ele.
“Ter um aplicativo com sede local, com atendimento às reclamações já será um grande avanço. Assim, o cidadão poderá ser atendido com dignidade, cumprindo o que manda a lei [...] e o aplicativo estará aqui, podendo ser aferido por órgãos de controle e passar por auditoria”.
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