Único ministro nomeado por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), Nunes Marques “matou no peito” o julgamento de 12 de 14 ações que discutem na Corte atos do Executivo que tratam da posse, compra, registro, rastreio e tributação sobre armas e munições. Marques pediu vistas e suspendeu as análises na última sexta-feira (17), no momento em que a aquisição de armamentos explode no país.
Só no primeiro semestre de 2021 foram compradas mais armas do que a soma de todas as adquiridas nos dois anos anteriores à posse de Bolsonaro. É o que revela um levantamento feito pelos institutos Igarapé e Sou da Paz a pedido do jornal O Globo.
Conforme o estudo, de janeiro a junho deste ano, os chamados cidadãos comuns, sob controle da Polícia Federal, adquiriram 85.023 armas de fogo, volume 23,6% superior às 68.789 compradas em 2017 e 2018. O grupo de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), controlado pelo Exército, comprou 93.432 unidades. A quantidade é 1,5% maior do que as 92.081 acumuladas naqueles dois anos.
Os dois grupos incrementaram o arsenal brasileiro em 178.455 novos exemplares. Não estão incluídos os arsenais em poder de empresas de segurança privada, clubes de tiro, policiais e integrantes das Forças Armadas. As empresas de segurança privada, aponta levantamento da agência Fiquem Sabendo a pedido do El País, perderam 12 mil armamentos, ou sete armas por dia, nos últimos cinco anos.
O STF tinha reiniciado a análise dos processos em plenário virtual, modalidade em que os ministros depositam seus votos no sistema do tribunal por determinado prazo, sem necessidade de sessão presencial. A análise dos casos iria até a próxima sexta-feira (24).
Na quinta-feira (16/9), o ministro Alexandre de Moraes suspendeu portaria de Bolsonaro que revogava as normas que instituíram o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNar). “A maior circulação de armas e munições, se não for acompanhada por regulamentação adequada, terá inevitável efeito sobre a movimentação ilícita em favor da criminalidade organizada”, afirmou.
No dia seguinte, minutos após o voto de Moraes, Nunes Marques pediu mais tempo para analisar o pacote de ações. Até a conclusão do julgamento, ficam valendo as decisões individuais tomadas por Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber. Os três relatores suspenderam a maior parte das alterações legais feitas pelo desgoverno Bolsonaro.
Um dos processos é de autoria de cinco partidos (PT, PSDB, PSB, PSOL e Rede), que acionaram a Corte após a publicação de quatro decretos, em fevereiro. Em abril, vários trechos foram suspensos por ordem da relatora, Rosa Weber, após ela considerar que feriam o Estatuto do Desarmamento. Também fazem parte da análise julgamentos iniciados entre 2019 e 2021 suspensos após pedidos de vista de Moraes, em abril.
Desmonte deliberado e caos jurídico
Especialistas ouvidos pela CNN afirmam que os julgamentos no Supremo serão complexos. Segundo eles, há um cruzamento de temas entre as mais de 30 modificações da legislação feitas pelo desgoverno Bolsonaro.
“Nas entrelinhas, há casos em que o governo susta trechos de um decreto sobre armas e, em outro ato, volta com a mesma regra. É uma forma de tentar burlar e fugir do controle judicial”, avalia a diretora de projetos do Instituto Igarapé, Melina Risso.
O Brasil nunca viveu um desmonte tão deliberado da política de controle às armas como no atual governo. Tivemos uma sanha normativa para facilitar o acesso a armas e produzir o caos jurídico”, disse ao Globo Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz, antes do julgamento.
Para a assessora especial do Instituto Igarapé, Michele Ramos, as ações no Supremo não mitigarão os dois anos e meio de permissividade de Bolsonaro. “Já temos no Brasil uma combinação explosiva: mais armas e munições em circulação associadas a uma negligência do governo federal para fiscalizar esses arsenais”, lamentou.
"Vivemos um cenário de instrumentalização da política de controle de armas para atender a interesses de grupos específicos, que formam base de apoio para a Presidência’, prosseguiu Michele. “Isso é agravado quando consideramos a polarização e tensão entre os poderes, em que o presidente aponta o armamento da população como uma via de ação política.”
Base de apoio histórica, o grupo de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) mais que triplicou em 2 anos e 8 meses de “gestão” de Bolsonaro. Nesse período, o Exército concedeu 193.539 Certificados de Registro (CR) específicos no Brasil.
É um aumento de 243% em relação aos 56.400 CRs emitidos entre 2016 e 2018. E isso num país onde a caça é proibida, com exceção do javali: desde 2013, a legislação autoriza o abate do animal para controle populacional. Hoje há 250 mil caçadores legalizados no país, e o javali é apenas um pretexto, apontou reportagem do Fantástico.
CACs mais que triplicaram desde 2019
Segundo a matéria, o CR é oferecido por despachantes e clubes de caça sem necessidade de saber atirar ou ter problemas com javali. O teste psicológico pode ser feito pela internet, e com o certificado de registro, que leva três meses para sair, o caçador pode encomendar a arma.
Só entre janeiro e agosto deste ano, já foram emitidos 75.289 CRs de caçador. Mesmo antes de terminar o ano, já é um recorde. Mais do que em qualquer um dos últimos cinco anos completos. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação mostram que as licenças são concedidas mesmo em áreas em que o registro de abates é muito baixo.
Os CACs podem possuir 30 armas – 15 de uso restrito, como fuzis. Hoje, há mais de 670 mil armas registradas nas mãos do grupo. Cada caçador também pode comprar até 90 mil munições por ano, o que permitiria dar 246 tiros por dia, todos os dias do ano.
A caça é uma indústria, com grupos organizados, clubes e influenciadores. Um dos mais notórios é Mardqueu Silvio França Filho, vereador do PSD e presidente da Câmara Municipal de Monte Azul Paulista (SP). Conhecido como Samurai Caçador, o vereador se diz amigo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP).
O filho 03 é aliado do advogado Marcos Pollon, presidente da Associação Nacional Movimento Pró Armas (Proarmas). No fim de agosto, os dois foram recebidos em audiência por Silvinei Vasques, diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ouvido pedido de mudanças na fiscalização dos CACs. Dois dias depois do encontro, a PRF emitiu nota técnica com novas orientações para a abordagem de CACs nas estradas.
Policiais rodoviários federais ouvidos pelo Fantástico disseram que a nota técnica inviabiliza uma fiscalização mais rigorosa dos CACs e, na prática, é um passe livre para deixá-los seguir viagem. A nota ainda permite que caçadores se desloquem para o local do manejo com arma curta carregada, independentemente do horário e itinerário.
“A gente tem um problema muito sério sendo criado, em termos de segurança pública”, afirma Melina Risso, do Instituto Igarapé. “Quanto mais armas em circulação, maior a violência. Aumento sem controle, na verdade, é uma receita pro desastre.”
Segundo Melina, este tipo de facilitação pode acabar gerando grupos armados, paramilitares, no Brasil. “Você abre a perspectiva de que isso aconteça. A gente tem de fato uma preocupação muito grande em relação à quantidade de armas e efetivamente quem são esses grupos que estão se armando.”
Fonte: Site do PT
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