Retorno das aulas presenciais. Um debate que já é realidade em várias partes do mundo e que, no Brasil, se torna revoltante, tamanho é o despreparo dos governos frente ao tema.
Num cenário em que não se governa para o povo, na educação (assim como na saúde), as políticas públicas também parecem ser orientadas para promover a “imunidade de rebanho” por meio do sacrifício dos mais vulneráveis.
Nos níveis federal, estadual e municipal, não existe um planejamento amplo de retorno às aulas na pandemia, ou ação coordenada, direcionada, que envolva os aspectos administrativo, pedagógico e sanitário.
Nem mesmo diante do avanço (lento) da vacinação e perante os graves prejuízos à aprendizagem.
No início de agosto, o governo federal lançou uma portaria interministerial com recomendações para gestores regionais, professores e profissionais para o retorno seguro às aulas.
Outro documento orientativo foi o “Manual sobre Biossegurança para a Reabertura de Escolas no Contexto da covid-19”, lançado pelo Ministério da Saúde e pela Fiocruz, que apontou as condições necessárias para promoção de boas práticas e biossegurança nas escolas, uma delas seria pesquisar sobre as condições de saúde e de vida da população, a fim de contextualizar o ensino.
O governo e a elite defendem que precisamos “conciliar o enfrentamento do problema sanitário com a retomada das atividades na pandemia”.
Mas não há política que garanta às escolas públicas condições de protegerem a comunidade escolar contra a Covid.
Os governos divulgam supostas políticas, mas basta visitar as escolas e conversar com os professores para perceber o quanto tudo ainda está longe da realidade.
Em Mato Grosso, o governo anuncia que repassou a todas as escolas recursos para a compra de materiais de biossegurança, mas em nossas visitas, observamos até mesmo falta de máscaras adequadas para os alunos e salas sem a ventilação indicada.
Faltam condições mínimas de proteção diante da pandemia. Uma prova disso foram os casos de Covid surgidos nas escolas estaduais logo após o retorno às aulas presenciais, no início deste mês.
Os governos, na verdade, defendem o interesse da elite, que está nas escolas particulares.
Faltam planos coerentes para o retorno seguro às aulas porque falta repensar a própria concepção de educação.
O Mandato Coletivo acredita que a educação precisa ser inclusiva, considerando a renda das famílias menos favorecidas.
A educação é mecanismo de formação crítica sobre a sociedade ela deve ser para tod@s.
Abordagens da educação frente à pandemia
Alguns estudos têm demonstrado as diferentes formas pelas quais os governos lidam com a educação durante a pandemia.
Os dados nos ajudam a pensar sobre a educação que queremos em nosso país.
Entre elas, citamos uma análise feita em 2020 pela consultoria Vozes da Educação, a pedido do Instituto Unibanco, analisou 11 protocolos de reabertura das escolas adotados pelos governos da Dinamarca, Alemanha, Portugal, Nova Zelândia, México, Curaçao, Anguilla, China e Saint Martin, Uruguai e Estados Unidos.
Pelo levantamento, percebe-se que houve investimentos em medidas sanitárias, administrativas e pedagógicas.
As políticas sugeridas têm como público preferencial os grupos vulneráveis, entre elas meninas, migrantes, crianças suscetíveis ao trabalho infantil e pessoas com deficiência.
O que o estudo levantou sobre estes protocolos:
- Houve maior preocupação dos governos com medidas sanitárias, como mudanças na infraestrutura (instalações de lavatórios, disponibilização de álcool), condutas mundialmente recomendadas de higiene pessoal e distanciamento social.
- A maioria dos países escolheu o retorno gradual, por etapas de ensino, e considerou as demandas pedagógicas.
- Por exemplo, China, Portugal e Alemanha deram prioridade ao retorno dos estudantes dos anos finais do Ensino Médio para garantir a conclusão e estimular o ingresso no ensino superior.
- Nos Estados Unidos, o Centers for “Disease Control and Prevention” criou estratégias para reabertura de creches, que envolveram políticas elaboradas por cada estado para o período de quarentena e um guia com as perguntas mais comuns entre os gestores.
- Mas houve casos como o do Uruguai, onde, nas zonas rurais, por não terem sido observados novos casos de contágio, as aulas foram liberadas, orientando-se para que fosse respeitada a realidade de cada centro de ensino.
- Já a Nova Zelândia adotou menor rigor no retorno às aulas, mas um acompanhamento rígido dos alunos, familiares e medidas imediatas diante de casos positivos.
- China, Portugal e Uruguai, por exemplo, adotaram medidas para restringir o contato dos alunos no momento da alimentação, entre elas a proibição do uso do refeitório, seu uso em horários alternados e a substituição do sistema ‘self service’ pelo prato feito.
- . Quanto à questão pedagógica, houve casos como o da China, onde uma das políticas visava promover momentos de acolhimento entre educadores, como uma forma de terapia.
- Também foram tomadas medidas para garantir o ensino-aprendizagem, como a formação dos professores, e o diagnóstico do nível de aprendizado dos alunos.
- Os protocolos também indicaram a necessidade de reforçar as políticas de bem-estar social, que promovam o acolhimento, entre elas a comunicação transparente com a população.
Confira algumas medidas adotadas
ADMINISTRATIVAS
Garantia do pagamento de salário dos professores, principalmente dos com contratos mais frágeis.
Redução do número de estudantes por turma.
Serviços psicológicos para alunos, famílias e equipe escolar.
Monitoramento de absenteísmo entre alunos.
Formação continuada dos professores em ferramentas de aprendizado remoto.
PEDAGÓGICAS
Estratégias de comunicação entre alunos e equipe escolar para normalizar conversas sobre medos e ansiedades relacionados à crise.
Múltiplos sistemas de apoio aos professores, com cursos online e mentoria.
Avaliação do nível de aprendizado dos alunos para determinar medidas pedagógicas de recuperação do aprendizado.
Medidas para garantir o ensino à distância para estudantes que não possam retomar às aulas.
SANITÁRIAS
Imunização do público escolar.
Criação de protocolos de distanciamento e higiene, de acordo com as recomendações das autoridades de saúde.
Educação em saúde, com instrução aos pais para reconhecer sintomas suspeitos.
Mudança nos horários das aulas para não coincidir com o pico de uso dos transportes coletivos.
Escalonamento da entrada e saída.
Fonte: Instituto Unibanco/Fiocruz
Fala, cidadão!
Os desafios educacionais
Quais são os desafios educacionais frente à pandemia? Conversamos com alguns profissionais e pais de alunos locais.
Victor Guilherme, que é Técnico de Desenvolvimento Infantil, falou sobre algumas medidas tomadas para a recepção dos alunos. A escola está na quarta semana de ensino híbrido, com turmas divididas em dois grupos, que frequentam a escola em dias alternados.
Entre os protocolos de segurança estão a aferição da temperatura corporal, a disponibilização de álcool em gel nas mãos e a proibição de entrada para os pais.
Segundo ele, os alunos entram no ambiente educacional com dificuldades no aspecto discursivo e interpretativo de questões elaboradas pelos professores, devido ao hiato de tempo passado em ensino remoto.
Outro profissional consultado foi Luís Guilherme Santos Rocha, professor de Sociologia. Ele destacou os aspectos instáveis que, ao invés de gerarem um ambiente saudável de aprendizado, podem acarretar em mais casos da doença. E também apontou a sensação de insegurança e o fato de que algumas das crianças ainda não se recuperaram do luto e das perdas.
“A realidade apresentada nas campanhas que pedem volta às aulas presenciais das escolas de Mato Grosso é completamente inadequada à realidade do nosso povo. Em algumas, são apresentadas escolas-modelo e afirmam que elas estão prontas para o retorno”, disse ele.
“No entanto, quem conhece o cotidiano da educação pública de fato, sabe que ainda é uma realidade distante, uma vez que nossas escolas são muito precárias e muitos profissionais, estudantes e familiares tomaram apenas a primeira dose das vacinas ou nem isso”, opinou.
Também falamos com Gislaine Costa, mãe de três crianças em idade escolar, todas estudando de forma remota, a qual afirmou não se sentir segura para deixá-las frequentar a unidade.
“Ainda não temos muitas pessoas imunizadas contra a COVID-19. A melhor forma de se proteger é manter o distanciamento e todas as medidas de segurança. Retorno às aulas, só quando for totalmente seguro”, disse.
Seguimos refletindo sobre o retorno às aulas de maneira segura. E você, o que acha deste assunto?
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