Neste 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, o PNB Online conversa com Edna Sampaio sobre os de
safios da luta antirracista.
Com uma trajetória política iniciada ainda na adolescência, passando pelo movimento estudantil e sindicalista, Edna Sampaio (PT) tornou-se, em 2019, a primeira mulher negra de esquerda a ser eleita vereadora em Cuiabá. O feito histórico indica, por sua vez, uma realidade de desigualdade. Apesar de serem maioria na sociedade brasileira, mulheres, especialmente negras, dificilmente ocupam lugares de decisão política.
Neste 20 de novembro, em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, o PNB Online conversa com a parlamentar sobre os desafios da luta antirracista no país em que a maior parte das vítimas de crimes violentos é negra. A vereadora compartilha com os leitores os avanços conquistados ao longo de um ano de mandato e suas perspectivas em relação ao futuro da pauta racial no estado e no país.
PNB Online - O que a luta antirracista significa para o desenvolvimento do Brasil hoje?
Edna Sampaio - O movimento antirracista é um movimento que mexe com a estrutura da sociedade brasileira porque por muito tempo o movimento esquerda, os movimentos de uma maneira geral, as pessoas progressistas entendiam que a questão da luta racial, antirracista era uma luta identitária. Ou seja, era o direito de representatividade apenas do povo negro, direito de afirmação da cultura de um determinado grupo social minoritário. Só que hoje nós temos uma compreensão exata que quando se fala de desigualdade social, quando se fala de injustiça social, quando se fala de democracia, não é possível falar sem dizer que a desigualdade ela é profunda entre brancos e negros e entre negros e não negros. Então é isso esse é o recorte da desigualdade porque nós somos mais da metade da população brasileira, os pretos, as pretas e as pessoas pardas.
Então, como você pode falar que um país é democrático, quando exclui a maioria absoluta do seu povo dos espaços de decisão política? Não estamos falando apenas de uma questão identitária. Estamos falando da estrutura na qual foi organizada toda a sociedade brasileira em que a alguns foram conferidos privilégios retirados da desumanização de outros. No caso os outros somos nós, pessoas negras. A luta antirracista tem um recorte de cultural econômico. Porque essa desigualdade está presente em todos os aspectos da vida das pessoas negras. É o acesso aos bens culturais, é o acesso aos bens materiais, é o acesso aos espaços de poder e a capacidade de decidir sobre seus próprios destinos. Nós estamos ausentes desses lugares e do acesso dessas coisas produzidas coletivamente. Fazer a luta antirracista é fazer a luta pela justiça social no Brasil. É fazer a luta para mudar essa estrutura rígida que nós temos em que algumas pessoas não são consideradas humanas.
PNB Online - Qual sua análise da presença das mulheres negras no cenário político brasileiro?
Edna Sampaio - Como eu disse, as mulheres e o povo preto não têm esse espaço dentro da política. Hoje já temos uma pequena diferença. Conseguimos ver ver que a luta do povo negro no Brasil tem conseguido alguns avanços muito importantes. Um o primeiro avanço é a questão da entrada na universidade já tem um uma gama de pessoas intelectuais negros produzindo a interpretação do mundo a partir da sua própria experiência enquanto pessoa negra, que é diferente de pessoas que experimentam a existência em corpos não negros. A sociedade trata diferente esses corpos, então a experiência de vida de cada um é diferente. Na política precisamos avançar muito ainda porque embora tenhamos avançado em alguma legislação, por exemplo agora na reforma política com a contagem em dobro dos votos das de pessoas negras, com financiamento de candidaturas negras tudo isso são passos muito para ampliar a participação negra na política. Mas ainda precisamos renovar e mudar os partidos. Os partidos eles próprios precisam ser antirracistas. Eles precisam abrir espaços para as pessoas negras nas candidaturas para que não cumpram apenas cotas, mas que sejam candidaturas em condições de chegar e conquistar as cadeiras no parlamento, no poder executivo.
Nós precisamos trazer pro debate partidário a importância das candidaturas negras e eu acho que a legislação trouxe esse benefício. Dentro dos partidos infelizmente nós temos uma dificuldade enorme. Não importa se o partido é de esquerda, se o partido é de direita. A questão racial ainda não é algo incorporado na política como questão central. Isso é uma um desafio pra nós que somos é movimento negro que estamos aí a lutar por igualdade de oportunidade entre as pessoas.
"Como você pode falar que um país é democrático, quando exclui a maioria absoluta do seu povo dos espaços de decisão política?"
Ainda há muita violência no espaço da política quando nós o adentramos, porque não é o normal. O normalizado é a nossa ausência, o contrário causa esse choque do estranhamento. Eu tenho sentido isso em alguns momentos na Câmara Municipal e é muito triste, mas ao mesmo tempo não podemos desanimar, nós temos que nos mantermos neste lugar e abrir as portas para que outros depois de nós também venham. Então eu sou a primeira mulher negra no parlamento de Cuiabá, mas se depender de mim não serei a última. Eu espero que outras mulheres venham na esteira do que nós estamos construindo para também ocupar esses espaços tão importantes.
PNB Online - Ao longo desse quase um ano na Câmara, como avalia que tem sido ocupar essa vaga?
Edna Sampaio - Vejo de forma muito positiva a atuação da vereadora Edna Sampaio na Câmara Municipal. Acho que tem sido importante ocupar esse espaço, tem sido importante pautar as questões que eu pauto ali, questões que não seriam pautadas por outras pessoas se eu não tivesse ali. Eu acho que o Partido dos Trabalhadores é um partido que tem feito muito na política com as pessoas que tem ocupado esses espaços e trazido para a tona da política, para cena da política as pautas da classe trabalhadora. No caso de uma mulher negra que ocupa o parlamento com propriedade, com lugar de fala as questões relacionadas às mulheres e ao povo preto tem sido muito importante colocarmos ali nesse sentido a população LGBTQIA, além de outras pautas, por estarmos fazendo um mandato coletivo. Tudo isso faz muita diferença. Faz diferença porque chama a atenção da população para a presença de uma mulher negra na Câmara Municipal que se posiciona de forma diferenciada e que chama atenção também pelo fato justamente de ser mulher, de ser negra e já assumir protagonismo nos debates que temos feito no âmbito do município.
PNB Online - Quais avanços já têm sido construídos pelo seu mandato com relação à pauta racial?
Edna Sampaio - Temos atuado muito fortemente na questão racial. Eu acho que a primeira iniciativa que nós tomamos quando assumimos a cadeira de vereadora foi fazer uma audiência pública para discutir a questão racial no município de Cuiabá. Depois disso lançamos já na audiência pública o Estatuto da Racial que é uma uma forma da gente estabelecer diretrizes para orientar o Executivo na formulação de políticas públicas em várias áreas na saúde, na educação, na segurança pública, na preservação da memória, da cultura, do legado e do patrimônio da população negra. Então em várias áreas, isso tem sido um movimento muito importante de aproximação de diálogo com o movimento social. Nós apresentamos uma minuta e essa minuta ficou à disposição da população por três meses para poder contribuírem. Foram feitas várias contribuições e agora no final do ano estamos com o projeto pronto e tramitando já com pareceres da Comissão de Justiça.
Também participamos de atos de combate ao racismo. Nosso mandato no decorrer do ano já fez cerca de 16 atos participando diretamente, organizando. Então é um mandato militante, é um mandato que tem um na Câmara Municipal e outro pé nos movimentos sociais. Estamos sempre nos articulando em duas dimensões da política. Da política institucional e da política dos movimentos sociais. Também temos o projeto de auxílio moradia para mulheres vítimas de violência, que a maioria também são mulheres negras. Também estamos com um projeto para o ano que vem, uma emenda parlamentar que nós vamos te apresentar agora na LOA antes de fechar o ano para criar um curso pré-vestibular para poder atender principalmente às pessoas negras. São diversas ações e projetos. O racismo é um problema que atrasa a vida das pessoas negras, que interdita as pessoas, os jovens negros, que leva ao genocídio da população negra, da população jovem inclusive. Precisamos trazer isso como um problema de políticas públicas para que de fato nós tenhamos a solução dele.
PNB Online - Atualmente, a senhora é a única vereadora negra da Câmara de Cuiabá. Como mudar a desigualdade de representatividade em cargos eletivos? E na sociedade como um todo?
Edna Sampaio - O racismo tem inúmeros mecanismos. Há de se ter uma mudança generalizada na sociedade para que essa situação mude, mas eu acho que a formação política e trazer pessoas negras para a política é muito importante. Assim também como ter pessoas negras nas universidades produzindo conhecimento a partir da perspectiva negra é muito importante também. Eu acho que esses lugares, para além daqueles lugares que o nosso povo já está na luta, precisam ser ocupados com toda a força para que essa realidade seja mudada. Isso pode ser transformado por meio da política e da educação. Precisamos fazer com que a escolaridade média da população negra aumente e que mais gente preta possa chegar à universidade. Que mais literatura negra, afrocentrada, possa ser lida por outros negros. Por isso estamos propondo na Câmara um curso, através da Escola Legislativa, para discutir o racismo e os mecanismos que ele opera. Na política, é necessário insistir com os partidos sobre a necessidade de existir candidaturas negras. Não apenas para cumprir cotas, mas para efetivamente se apresentarem como alternativa ao povo.
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