Pré-candidata à ALMT, Edna Sampaio rechaça aproximação do agro ao PT e candidatos que misturam religião à política
Por: Site Hipernotícias
A vereadora por Cuiabá, Edna Sampaio (PT), 55 anos, que vem se despontando como importante integrante da Câmara por conta dos debates travados, projetos apresentados voltados às políticas públicas, especialmente para população negra, lançou, na última quinta-feira (24), data de seu aniversário, sua pré-candidatura a deputada estadual.
Edna, inicialmente, havia colocado seu nome à disposição para disputa ao Senado. Mas diante a indefinição do diretório petista, viabilizou corrida à AL. Na avaliação dela, seu grupo político tem grandes chances de reunir condições para o enfrentamento em 2 de outubro.
Em entrevista ao HNT, nesse contexto eleitoral, colocou-se totalmente contra federação partidária com partidos que não lutem pelas mesmas pautas do PT, como também refutou a aproximação do agro com representantes da esquerda em Mato Grosso, salientando que a ideologia do agronegócio é "pura e simplesmente a busca pelo privilégio e pelo poder".
Apesar de religiosa, detonou políticos que usam religião como panfleto político dentro dos espaços públicos. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Mato Grosso no ano de 1993, chegou a se colocar à disposição do PT para disputa ao governo em 2018. Mas, com a aliança ao PR, o cabeça da chapa acabou sendo Welinton Fagundes, hoje, no PL.
Contudo, lançou candidatura como deputada federal e acabou figurando com 23.665 votos. Para Câmara de Cuiabá, foi eleita com 2.902 votos. No parlamento, já apresentou mais de 16 projetos de lei, tendo um dos aprovados o que cria Lei 6.712/21, que institui a política “Menstruação sem tabu”, a qual prevê a doação de absorventes a pessoas em situação de vulnerabilidade social e ações educativas sobre o tema.“O enfrentamento à pobreza menstrual sempre foi tabu, e está sendo colocado agora, nesse momento em que as mulheres ocupam parlamentos Brasil afora”, disse.
O HNT disponibilizou, abaixo, os principais trechos da entrevista com a vereadora.
HNT: Como a senhora começou a despertar interesse pela política e por que?
Edna: Foi acontecendo meio que naturalmente. Comecei a participar do grupo de jovens na minha comunidade, no Duque de Caxias. Moro hoje no bairro vizinho aqui, no Quilombo. A partir do grupo de jovens, eu fui conhecendo a teologia da libertação. Na minha formação, os jovens tinham formação política na igreja a partir da teologia, que prega o compromisso da fé cristã com o povo sofredor e com os trabalhadores. Ou seja, essa fé que a teologia da libertação pregava não era individualista. Isso me fez despertar para política para ver a sociedade, para ver os meus problemas pessoais e os problemas sociais. E, na universidade, foi aprofundando ainda mais, porque entrei no movimento estudantil, fui uma liderança dentro do curso de Serviço Social, presidi o centro acadêmico. Tudo isso foram passos que eu fui dando, mesmo sem perceber, mas me conscientizando dentro do mundo, das relações sociais. Após a minha formação, fui para Cáceres, prestei concurso para professora lá e ingressei no movimento sindical. Participei de várias gestões. Foi coordenadora do Fórum Sindical aqui em Mato Grosso. Sempre acompanhei essa luta. Em 2018, diante da situação grave que o país atravessava, nós decidimos participar da política, da disputa eleitoral. Fui pré-candidata ao governo do Estado em 2018, não rolou, porque o PT fez aliança com partido do Wellington Fagundes. Fui candidata deputada federal e, agora, estou na Câmara de Vereadores. Nesse tempo todo, a minha militância política sempre foi uma coisa muito forte na minha vida. Também fui fundadora do Centro de Referência em Direitos Humanos em Cáceres e sempre participei do movimento de mulheres, do movimento negro, dando apoio.
HNT: Na eleição de 2020, a população elegeu apenas duas mulheres para Câmara de Cuiabá. Nesse contexto, como a senhora se sente sendo a primeira mulher negra eleita no parlamento municipal?
Edna: Eu acho que é muito difícil para mulher se colocar na política. Eu tenho clareza que eu sou a exceção, mas as mulheres são excluídas de uma maneira geral, sejam negras ou não negras. Nós estamos excluídas da história da política de Mato Grosso. Uma Câmara que tem 25 homens, 25 vagas e a apenas duas mulheres são eleitas, duas mulheres não podem representar uma população que é de 52% de mulheres. A minha presença e da vereadora de Michelly Alencar (União Brasil), que foram as duas eleitas, só denuncia isso porque foram as únicas eleitas de uma Casa que tinha 25 vagas. Como mulher negra, me sinto mais excluída. Não por mim, mas pelas mulheres que eu represento, as mulheres em geral, mas em especial as mulheres negras. É primeira vez que uma mulher negra tem assento no parlamento municipal. Isso me torna a exceção e a exceção só comprova a regra, e a regra é que as mulheres negras estão fora do poder. Eu vejo que essa ausência das mulheres faz com que a minha presença no parlamento, especialmente porque eu sou mulher negra, não sou jovem, tenho uma boa formação acadêmica, causa algum estranhamento, porque a sociedade está acostumada a olhar para os corpo negros, marginalizados, corpos periféricos e pensar “não podem estar lá”. Eu falo e eu imponho a minha presença, enfrento o racismo velado, racismo explicito, como já aconteceu na Câmara, e quando tentaram me silenciar, por sorte eu não posso dizer que são todos. Tenho uma boa relação com os vereadores da Casa, mas sempre tem alguns que se incomodam com minha presença e tentam me silenciar pelo grito, agredindo. A gente faz o enfrentamento que for necessário. Não posso evitar que eu seja a primeira, mas não quero ser a última. Quero contribuir para que mais mulheres possam entrar para política.
HNT: A senhora havia colocado o nome à disposição para corrida ao Senado. Mas acabou lançando candidatura a deputada estadual. Por que a senhora mudou de ideia?
Edna: O que me fez desistir da candidatura ao Senado foi não ter empolgado, dentro do partido com meu nome, com a construção no entorno dele. A candidatura ao Senado é a candidatura majoritária, então, ela não pode ser uma candidatura do meu grupo, o grupo que me indicou é um grupo minoritário. Então, se o PT não tem uma pré-disposição de lançar nomes próprios, e como eu represento um grupo minoritário, eu não tenho poder de mudar essa perspectiva, essa decisão. Meu grupo decidiu que nós íamos começar a construir a candidatura estadual para tentar ter espaço na ALMT de fala de uma mulher negra que vive essa realidade, que já viveu realidades muito mais dramáticas de pobreza de limitação. Nós queremos ocupar um espaço de maior condição para poder levar as nossas pautas e dialogar com o estado inteiro e também com maior condição de apoiar outras mulheres que possam entrar na política e que possam se candidatar. Eu acho que a gente conseguiu reunir condições para o enfrentamento e para disputar com chances de sermos apoiados por um grande número de pessoas que se identificam com a nossa atuação.
HNT: Recentemente, tanto a Câmara como a Assembleia foram criticadas por misturar política e religião. Como a senhora avalia essa situação?
Edna: Eu fico muito incomodada e muito triste. Eu sou uma mulher que tem formação religiosa da igreja católica e tenho uma profunda identificação com os ensinamentos de Jesus Cristo, sou uma cristã muito enraizada. Fui criada na igreja. Eu tenho muita clareza do papel, da importância da religião. Tenho muita clareza do quanto o Brasil é um país cristão e o quanto se deve respeitar isso. Mas a religião cristã e qualquer religião não pode ser objeto de disputa no interior, no Estado. Porque o Estado é laico. Isso significa que o Estado não tem religião. Nós já vivemos uma história do século VI até o século XVI, em quen tivemos um mundo ocidental dominado pela política e religião, que não se separavam, e nós tivemos perseguição. Esse período foi chamado de idade das trevas porque a religião aniquilava todos aqueles que pensavam diferente.
A ciência não se desenvolvia. Os cientistas eram sacrificados e mortos pelo Estado. Mulheres conhecedoras das artes de cura, das plantas também eram assassinadas como bruxas, porque questionavam o Estado. Nós não podemos voltar a esse tempo. O lugar da religião é nos espaços próprios para práticas dessas religiões. Enquanto agentes públicos, nós temos que nos atentar para os direitos da população, independente da religião. Eu não posso, por exemplo, achar que as pessoas LGBTQIA+ não são cidadãs e não podem receber do Estado nenhum direito e eles têm uma orientação sexual ou identidade de gênero diferente daquela que a minha religião prega como a correta. Dentro do espaço público, nós temos que respeitar todas as religiões, e não fazer da nossa religião a política. A política não é religião. É sobre direito, é sobre relações sociais, não é sobre relação entre indivíduo e Deus. Deus está dentro de nós. Por isso, a minha crítica para aqueles que transformam a política na sua igreja: a religião está sendo usada como panfleto político.
HNT: Nacionalmente, o PT estuda federação partidária com PCdoB, PV e PSB. Como a senhora avalia o modelo?
Edna: A federação é um instrumento que, para mim, é melhor que aliança porque se fazia com partidos que não tinha nada ver um com o outro e era só para eleição, e a federação tem a vantagem de poder manter esse contrato por mais tempo e, portanto, há mais responsabilidade entre os partidos, mas está muito nebuloso sobre essa pauta do PT. Eu acho que o PT não pode sob hipótese alguma rebaixar o seu programa em nome de uma coalisão. No ponto de vista da federação, eu sou contra, pela forma como ela está sendo construída. Na minha avaliação, ainda é muito precoce a gente fechar uma avaliação para essas eleições com partidos tão diferentes, com partidos que não têm identidade programática, PSB, PV são partidos que têm atuação e trajetórias diferentes do PT.
Eu acho muito difícil fazer uma federação onde você abriga pares tão diferentes num mesmo espaço para poder construir uma única orientação política, acho isso muito preocupante, acaba prejudicando a autonomia do PT, distanciando o nível de decisão partidária, porque se cria um outro espaço, outro nível de decisão e a gente não sabe exatamente por onde vai passar essa decisão no interior do partido. A outra coisa que me preocupa é justamente uma questão programática. Nós temos aí uma série de direitos que foram retirados da população, como por exemplo, a questão da reforma da previdência, reforma trabalhista, a questão da emenda constitucional que congelou o investimentos na saúde, educação e segurança, que é teto de gastos. Essas leis que foram aprovadas, que são perversas, que tiraram direitos que foram conquistados. Esses partidos vão concordar em manter uma agenda de revogação dessas lei?
HNT: Recentemente, apoiadores de Jair Bolsonaro e representantes do agro se reuniram com a esquerda para falar de conjunturas políticas. Como a senhora avalia essa aproximação?
Edna: Aqui no e Estado, o agro tem um pé no cofre público. É o agro que elege governadores, que tem elegido há muito tempo, é o agro que abocanha maior fatia do recurso para investimento com isenções fiscais, é o agro que não consegue entender o papel do Estado como ente de serviço público. O agro ele vai para onde pode manter seus privilégios. Numa chapa de Lula, visando em seus interesses, eles vão aderir à candidatura. A ideologia do agro é privilégio.
HNT: Como o PT pretende fortalecer o nome de Lula em MT?
Edna: Nós vamos fazer campanha mais do que nunca fizemos. A nossa prioridade absoluta é eleger Lula. Então, já estamos dialogando com os companheiros. A nossa pré-candidatura está sendo feita extremamente vinculada pari passu com lula. Coletivos que nos apoiam abraçam as duas candidaturas. E ao governo, eu defendo que nós tenhamos uma candidatura própria. É importante para a população de Mato Grosso ter o PT como uma alternativa e defendo isso se não nas duas majoritária (Senado e governo) pelo menos em uma, para que a gente possa assumir o protagonismo e ampliar o debate. Mas ainda não temos clareza sobre isso. Quem tem participado das conversas é a deputada federal Rosa Neide.
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